Uma hérnia discal (ou hérnia de disco) surge quando o disco inter-vertebral (material amortecedor que está entre as vértebras, que são os ossos que constituem a coluna) se desloca da sua posição habitual e pode comprimir as raízes nervosas ou outras estruturas adjacentes, dando origem a dor e sintomas/sinais neurológicos.
Nas vértebras lombares, a hérnia discal normalmente surge na região inferior e na transição para o osso sacro, o que corresponde às vértebras L4, L5 e S1 (são as hérnias discais L4L5 e L5S1). Nesta região, se o disco extrusado (deslocado) comprime as raízes nervosas, a dor tipicamente irradia para o membro inferior (pela perna e até ao pé), dando origem à denominada dor ciática, à qual se associam muitas vezes queixas/alterações neurológicas (como por exemplo formigueiros e défice de força muscular).
A hérnia discal pode ser assintomática, isto é, quem tem uma hérnia discal pode não ter dor ou outras queixas, constituindo assim um achado radiológico (deteção da alteração num exame complementar, normalmente TAC ou Ressonância, sem existirem outros componentes do quadro).
A grande maioria das hérnias discais vai deixar de dar queixas em 6 a 12 semanas, ou seja, vai apresentar uma melhoria progressiva até à resolução completa dentro de 3 meses, pelo que, no início do quadro, o tratamento da hérnia discal só inclui a cirurgia (operação) em poucos casos. O seu tratamento é então habitualmente conservador (não cirúrgico), sendo por norma utilizados medicamentos (sobretudo para alívio da dor) e devendo recorrer-se a um programa de fisioterapia.
Biomecânica da coluna
A coluna vertebral tem uma biomecânica muito complexa, já que as suas estruturas e respetivas funções lhe permitem a estabilização / sustentação, por exemplo quando o corpo está em ortostatismo (quando estamos em pé), ao mesmo tempo que lhe possibilitam uma grande diversidade de movimentos.
Além dos ossos da coluna, na região lombar são sobretudo os músculos paravertebrais (3 camadas de músculos ao lado da coluna), os músculos abdominais (reto abdominal, oblíquo externo, oblíquo interno e transverso) e também as fáscias (membranas que envolvem os músculos e outras estruturas) que vão exercer a sua ação estabilizadora.
Em conjunto, fornecem um suporte global que funciona como uma cinta abdomino-lombar muito potente e que permite a estabilização dinâmica desta região, ou seja, sustentação e equilíbrio das estruturas à medida que estas se vão movimentando.
A correta ação conjunta destes diferentes componentes permite uma boa distribuição das forças de pressão que se exercem nesta região, diminuindo a existência de cargas excessivas a nível da coluna lombar, sobretudo a nível do disco inter-vertebral.
Para a eficiente execução do papel da coluna nos gestos do dia-a-dia, da profissão e do desporto, é também importante que exista boa mobilidade a nível de outras articulações, nomeadamente ancas e ombros.
Apesar de tudo o que foi referido, as características da região lombar, em particular a sua grande mobilidade e a sua relação com o abdómen, tornam-na um dos locais mais vulneráveis a lesões como por exemplo a hérnia discal, no contexto de sobrecarga estrutural.
Objetivos da fisioterapia
Os objetivos da fisioterapia na fase inicial de uma hérnia discal sintomática são sobretudo a diminuição da dor/contratura muscular, o que vai permitir uma retoma gradual aos gestos do dia-a-dia.
Seguidamente, o objetivo é a recuperação funcional global, que inclui a melhoria da mobilidade da coluna e da força dos músculos a este nível, permitindo o regresso progressivo à atividade de cada paciente.
O objetivo final do programa de reabilitação é a diminuição constante das forças de pressão (cargas) que se realizam sobre a estrutura que está alterada, ou seja, o disco inter-vertebral.
Para atingir estes objetivos são maioritariamente efetuados diversos tipos de exercícios, sempre individualizados (adaptados a cada pessoa), pelo que os riscos e as complicações deste tratamento são mínimos.
Em que consiste a fisioterapia?
A fisioterapia na hérnia discal lombar tem que ser sempre feita de acordo com as queixas de cada paciente, especialmente na fase aguda, em que a dor limita muito os movimentos - nesta fase a termoterapia com calor, a massagem e as correntes analgésicas são normalmente utilizadas para alívio do quadro álgico.
O programa de reabilitação após o diagnóstico de uma hérnia discal lombar é delineado tendo em conta o que cada paciente apresenta, pelo que deve ser sempre efetuada uma avaliação completa de cada indivíduo logo que possível, dando particular atenção à coluna e à pesquisa de défices e desequilíbrios - estes é que serão alvo de um trabalho mais diferenciado.
Mal a dor permita, é fundamental que se iniciem os exercícios de correta ativação e de reforço sobretudo do músculo transverso abdominal, estrutura fundamental no equilíbrio de forças nesta região. Assim que for possível, deve também iniciar-se o trabalho de recuperação da mobilidade da coluna para os níveis prévios ao aparecimento da hérnia discal lombar e, se sem contra-indicações e se necessário, deve-se tentar aumentar estas amplitudes articulares (não descurando a mobilidade da região cervical e, sobretudo, da região dorsal). Devem também ser aplicadas técnicas de libertação miofascial, com especial foco nas estruturas dolorosas e/ou encurtadas.
Além do músculo transverso abdominal, os restantes músculos do core (já anteriormente referidos) têm igualmente de ser trabalhados, nomeadamente o multifidus, sendo muito importante que se realizem sempre os corretos movimentos respiratórios, com uma boa excursão do diafragma. É também fundamental que se realize o reforço dos músculos abdominais oblíquos e dos glúteos (nomeadamente do glúteo médio), entre outros.
Após o trabalho de aumento da força e de re-equilíbrio muscular, é também muito importante que se realize um trabalho de aumento da resistência não só dos músculos deficitários, mas também global, para evitar a fadiga muscular em situações de sobrecarga mais prolongada para a região lombo-sagrada.
Outro tipo de preparação fundamental é o trabalho neuro-muscular, ou seja, devem-se realizar exercícios que promovam o correto recrutamento das diversas estruturas envolvidas em cada movimento / função da coluna - treinar a sequenciação neuro-motora mais eficiente (que inclui a antecipação) irá também facilitar a distribuição das cargas a nível lombar, poupando o disco inter-vertebral (poderá dizer-se que se o sistema músculo-esquelético aprender e treinar, conseguirá depois defender-se melhor).
Para a região lombar reveste-se de particular importância a relação com a bacia e ancas, pelo que na reabilitação após hérnia discal lombar se insiste também nos exercícios de mobilidade das ancas e nos exercícios que promovem uma correta coordenação lombo-pélvica, não descurando outras relações anatómicas importantes, nomeadamente com as cinturas escapulares (ombros).
Se existirem encurtamentos musculo-tendinosos relevantes, como por exemplo a nível dos músculos isquio-tibiais (parte de trás da coxa), devem ser realizados estiramentos específicos para essas estruturas.
Os diversos tipos de trabalho referidos podem ser executados em meio aquático, que só por si já permite uma diminuição importante da pressão que se exerce no disco vertebral que está lesionado, pelo que é um tipo de tratamento com grande interesse neste tipo de patologia.
Cada vez se tem dado mais atenção à motivação do paciente para realizar o programa de reabilitação após diagnóstico de hérnia discal lombar, já que é realmente uma peça fundamental para o seu sucesso - a dedicação e a qualidade do trabalho de cada um também se vão depois traduzir nos resultados. Obviamente que devem ser explicados a todos os pacientes os objetivos gerais do programa de reabilitação e, se for necessário, de todos os exercícios, de modo a que cada indivíduo fique devidamente informado de tudo, para mais facilmente se conseguir comprometer e ajudar na sua recuperação.
Reabilitação em casa
Para todos em geral, mas sobretudo para quem tem uma hérnia discal lombar, é fundamental que se tenha muito cuidado com a chamada higiene postural, ou seja, com a maneira como se realizam os movimentos / as diversas atividades do dia-a-dia e também com o modo como se está sentado ou em pé.
Após a fisioterapia ter terminado, cada paciente pode realizar exercícios no domicílio, mas estes devem ser sempre os que estão indicados para o seu problema – inicialmente será mais seguro repetir alguns dos que se efetuavam no programa de reabilitação na clínica, tendo especial atenção à postura correta ao executar cada exercício (se for possível deve sempre utilizar-se um espelho para ajudar). À medida que for surgindo mais confiança quando se realizam estes exercícios sem supervisão, poderá progredir-se para outros exercícios adequados, desde que não despertem dor.
Atividade física
Após o desaparecimento da dor e a melhoria completa da funcionalidade da coluna, deve-se insistir para que o paciente realize uma atividade física adequada a hérnia discal lombar e também às suas características físicas e ao seu nível de atividade prévio - se já era praticante de exercício físico regular, poderá então retomá-lo com as devidas precauções.
Para quem não praticava qualquer atividade física, as caminhadas em terreno plano com aumento progressivo da duração e da intensidade serão um bom exemplo de uma atividade possível com hérnia discal lombar, mas deverão sempre ser complementadas com alguns exercícios do programa de reabilitação que foi efetuado, sobretudo de mobilidade da coluna, ancas e ombros e de reforço muscular do core mais alargado – sempre com atenção à respiração e à postura (e idealmente com supervisão, pelo menos).
A Hidrocinesiterapia acompanhada, quer seja individual ou em classe, será também uma excelente opção no caso da existência de uma hérnia discal da região lombar.