Abuso Sexual Infantil

Abuso Sexual Infantil

Enquadramento do Abuso Sexual Infantil

O Abuso Sexual Infantil é um crime contra a autodeterminação sexual, mas também pode ser considerado como um evento adverso na infância e um problema de saúde pública, que faz cerca de 80 mil vítimas por ano, de acordo com a American Academy of Child & Adolescent Psychiatry.

Em Portugal, estima-se que a prevalência do Abuso Sexual Infantil ronde os 15%, o que são dados alarmantes, sobretudo se tivermos em linha de conta que apenas conhecemos uma pequena parte da realidade. Isto acontece porque a maioria das crianças sofrem este crime sozinhas, sem contar a ninguém. O silêncio impera por vários motivos, de entre os quais se destacam o medo, a culpa e a vergonha sentidas pela criança, por um lado; o facto de muitas vezes a criança estar a sofrer o abuso por parte de familiares ou amigos próximos da família, o que a deixa numa situação de grande desproteção e ainda a probabilidade de estar a ser ameaçada pela pessoa que comete o abuso, como é frequente.

Atingindo assim milhões de crianças em todo o mundo, o abuso sexual é algo a que devemos estar atentos para prevenir, já que as suas consequências podem ser devastadoras para a criança e sua família, a vários níveis: de saúde física (doenças crónicas e oncológicas), sexual (infeções sexualmente transmissíveis, gravidez indesejada, aborto, infertilidade) e mental (depressão, ansiedade, fobias, distúrbios alimentares, consumos, suicídio, stress pós-traumático), impactando assim negativamente no funcionamento social, académico e ocupacional e nos relacionamentos interpessoais e amorosos das vítimas e implicando sofrimento emocional.

A investigação nesta área mostra que as pessoas que sofrem de abuso sexual durante a infância têm maior probabilidade de serem vítimas de abuso sexual na idade adulta e de serem vítimas de violência nas relações amorosas (sexual ou de outra natureza).

Estas consequências podem manter-se ao longo da vida, pelo que o acompanhamento psicológico é fundamental para gerir o impacto do abuso sexual, que podemos encarar como uma situação traumática.

Importa ainda sublinhar que, embora muitas das vezes o abuso sexual infantil não implique penetração ou relação sexual coital, isso não significa que o impacto que tem sobre as vítimas seja menor. O próprio processo de aliciamento a que a vítima está sujeita é um enorme fator de stress e que acarreta sofrimento emocional.

Assim sendo, a OMS (Organização Mundial de Saúde) considera o abuso sexual infantil como “o envolvimento de uma criança numa atividade sexual que seja capaz de compreender plenamente, inapta a dar o seu consentimento informado ou para a qual a criança se manifeste prematura no desenvolvimento”. Desta forma, todos os contactos sexuais entre uma criança e um adulto são contactos abusivos, independentemente de haver penetração/coito ou não. O mesmo se pode dizer em relação ao consentimento, já que de acordo com a Legislação Portuguesa, as crianças não têm autodeterminação sexual.

Resumidamente, pode dizer-se em relação ao abuso sexual infantil, que:

  • atinge milhões de crianças no mundo;
  • é perpetrado sobretudo por pessoas próximas à criança – estima-se que cerca de 90% do abuso sexual infantil seja perpetrado por familiares e amigos próximos da família da criança;
  • o sexo com penetração não é a forma de abuso mais frequente;
  • os toques sexuais mais frequentes são os que não deixam marcas físicas;
  • as vítimas dificilmente pedem ajuda, sendo que o silêncio mantém o abuso grande parte das vezes.
Clínica de Psicologia

Como prevenir o abuso sexual infantil?

De uma forma geral, há alguns fatores a ter em conta para uma eficaz prevenção do abuso sexual infantil, que passamos a elencar:

1 - Envolver-se na vida da criança

Muitas vezes, o abuso sexual acontece quando os adultos que devem proteger a criança estão pouco envolvidos na sua vida, não conhecendo as características dos meios onde as crianças se movem ou não conhecendo os seus cuidadores ou outros adultos que lidam frequentemente com a criança.

2 - Reconhecer o silêncio do abuso

É importante perceber que raramente a criança vítima de abuso irá contar o que se passa consigo. Se reconhecermos que o silêncio das vítimas é muito comum, isto dá-nos pistas para a prevenção, desde logo, em termos de proatividade e de conhecimento.

3 - Identificar sinais de abuso sexual infantil

Sabendo que as vítimas raramente falam sobre o abuso, é muito importante prestar atenção a sinais que podem ser indiciadores de abuso sexual infantil e que se traduzem em mudança ou alterações na criança em vários contextos, como por exemplo:

  • sono;
  • apetite;
  • humor;
  • rendimento escolar/capacidade de concentração e aprendizagem;
  • queixas somáticas (dores de cabeça, de barriga, etc);
  • atitude ansiosa / medo e desconfiança;
  • comportamentos de fuga ou evitamento de determinados locais;
  • comportamentos suicidas ou de auto-mutilação;
  • comportamentos bizarros (por exemplo, urinar deliberadamente na cama);
  • comportamentos, linguagem ou conhecimentos desajustados do ponto de vista sexual para a idade e desenvolvimento (por exemplo conversas e comportamentos demasiado sexuais/eróticos);
  • consumo de álcool ou drogas;
  • isolamento social;
  • etc.

Por si só, estes sinais não indicam de forma causal e linear que a criança está a sofrer abuso sexual, mas o facto de várias alterações se darem em simultâneo deve chamar a nossa atenção.

4 - Educação Sexual

Este é o fator que alia conhecimento e proatividade, pelo que a prevenção eficaz do abuso sexual infantil terá de passar necessária e obrigatoriamente pela educação sexual, que deve acompanhar a educação da criança desde as etapas mais precoces.

Para a prevenção do abuso sexual infantil, a criança deverá saber:

  • Que o seu corpo tem partes privadas e quais são;
  • Distinguir os toques afetuosos de toques abusivos;
  • Distinguir relações saudáveis de relações abusivas;
  • Reconhecer gestos e situações abusivas do ponto de vista da sexualidade;
  • Saber dizer sim, dizer não e pedir ajuda;
  • Identificar uma rede segura de adultos a quem pedir ajuda em caso de abuso;
  • Saber que o abuso sexual provoca determinadas emoções que podem levar ao silêncio;
  • Respeitar o seu corpo e a sua intimidade;
  • Distinguir os segredos que deve guardar dos que não deve guardar;
  • Saber atuar perante ameaças;
  • Conhecer contactos de emergência;
  • Treinar comportamentos em caso de situações imprevistas (como por exemplo, se uma pessoa estranha a abordar);
  • Proteger a sua identidade e privacidade, também no contexto online;
  • Conhecer os perigos do abuso sexual através da internet;
  • Aprender a reconhecer os sinais que o corpo emite quando está em situação de perigo.

Para que a educação sexual possa acontecer, os educadores (pais, professores e restante comunidade) deverão saber como abordar a sexualidade e preparar-se para não só responderem a questões que as crianças possam eventualmente fazer, mas sobretudo para serem proativos em relação ao conhecimento que será o fator mais protetor para muitas crianças que vivem em ambientes mais desorganizados ou que enfrentam dificuldades do ponto de vista cognitivo ou desenvolvimental.

Por outro lado, os educadores podem atuar como modelos de educação sexual, mostrando proativamente como respeitam a sua privacidade e corpo, bem como incentivam a privacidade e o respeito pelo corpo e intimidade da criança.

Não é necessário, nem desejável, ficar à espera que algo menos bom aconteça para falar de sexualidade e de abuso sexual com a criança. Se é difícil abordar estas temáticas, pode ser útil falar com um educador sexual ou com um sexólogo ou terapeuta sexual, que vai ajudar nesta intervenção, e no desbloqueio de certos mitos e receios que muitas vezes assombram os educadores e são o motivo pelo qual não conseguem fazer uma educação sexual positiva e consciente com as suas crianças.

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