O angioedema consiste em “inchaços” das zonas finas da pele, tipicamente lábios, escroto, olhos, etc. Este “inchaço” pode ser tão intenso que provoca deformação completa da cara ou de outros órgãos. Mais raramente pode ocorrer na língua ou na glote e nestes casos pode dificultar a respiração, requerendo assistência imediata no Serviço de Urgência. O angioedema pode acompanhar a urticária.
Neste tema abordaremos apenas as situações de angioedema isolado, que não se acompanham de pápulas urticariformes. Nestes casos, o edema tende a ser menos pruriginoso, mais doloroso, e é frequentemente precedido por uma sensação de “encortiçamento” da zona onde se vai manifestar.
O angioedema surge porque ocorre a libertação de uma série de mediadores que induzem a dilatação dos vasos sanguíneos da pele e consequentemente a saída de líquido plasmático para o tecido extravascular. De acordo com o mediador responsável pela sua ocorrência, o angioedema pode ser histaminérgico, quando o mediador envolvido é a histamina, ou pode ser bradicinérgico, quando a bradicinina é o mediador implicado. No primeiro caso, as lesões são mais avermelhadas (eritematosas) e responde bem ao tratamento com anti-histamínicos e corticosteróides; no segundo caso, a lesão é mais pálida e não responde habitualmente a estes fármacos.
O angioedema pode ser uma doença por si só, ou ocorrer como manifestação de outras doenças.
Sinais e sintomas da Angioedema
O angioedema pode ser agudo ou recorrente e cada episódio de angioedema pode ter uma duração que vai de apenas algumas horas até a alguns dias.
Os sinais e sintomas de angioedema incluem o aparecimento de “inchaços” das zonas finas da pele, tipicamente lábios (angioedema labial), escroto (angioedema genital), região à volta dos olhos (angioedema ocular), etc.. Este “inchaço” pode ser tão intenso que pode provocar mesmo deformação completa da cara ou outros órgãos. Veja fotos superiores.
O angioedema gastrointestinal é relativamente frequente nos casos hereditários, tipicamente cursa com cólicas abdominais de tal forma violentas que fazem suspeitar até de necessidade de cirurgia abdominal. É fundamental que estes doentes estejam identificados com relatórios do seu Imunoalergologista explicando a sua doença na eventualidade de precisarem de atendimento no Serviço de Urgência, uma vez que o tratamento se faz por reposição de C1 inibidor, e não por cirurgia.
Tipos de angioedema
De acordo com a mais recente classificação publicada pela Academia Europeia de Alergologia e Imunologia Clínica, consideram-se dois tipos de angioedema: hereditário e adquirido. Dentro de cada tipo, existem subtipos diferentes.
O angioedema hereditário é uma doença genética rara, causada por uma mutação. Pode demorar vários anos até se manifestar.
O angioedema adquirido, por sua vez, pode ser provocado por várias circunstâncias, nomeadamente fármacos, deficiência de C1-inibidor causada por outras doenças, ou mesmo não ser possível identificar uma causa (maioria das situações). Nos casos em que não há identificação de uma causa, é fundamental avaliar a resposta a anti-histamínicos para categorizar essa forma de angioedema.
É comum classificar o angioedema que responde a anti-histamínicos como angioedema alérgico, mediado ou não pela IgE. Tal não é necessariamente verdade, uma vez que existem outras formas de libertação de histamina que não têm a ver com processos alérgicos e, por isso, se tem optado pela utilização do termo “histaminérgico” em vez de “alérgico”.
É frequente as pessoas associarem o angioedema a alergia. De facto, pode ocorrer angioedema como manifestação de alergia alimentar, medicamentosa, ou ao veneno de insetos, mas nesses casos habitualmente a ocorrência é rápida logo após a exposição e desaparece também de forma rápida, reaparecendo apenas quando se repete a exposição.
Angioedema adquirido
O angioedema adquirido pode ser provocado por várias circunstâncias, nomeadamente:
1) Fármacos:
Também é frequente ocorrer angioedema com a toma de anti-inflamatórios, medicamentos da família da aspirina; mas nestes casos os sintomas surgem nos minutos ou horas seguintes à toma do fármaco.
Recentemente, identificaram-se outros fármacos que se utilizam para tratamento da diabetes (os inibidores da Dipeptidil Peptidase-4, sitagliptina) também como potenciais indutores de angioedema num pequeno número de doentes.
2) Deficiência de C1-inibidor:
É induzido por patologias que provocam o consumo de uma enzima que regula o mecanismo da inflamação. São situações clínicas raras, de predomínio em adultos e idosos. É o caso de algumas neoplasias ou doenças auto-imunes, por exemplo.
Em ambos os casos, o angioedema desaparece rapidamente assim que se identifica a causa, quer suspendendo o fármaco causador, ou tratando a doença de base que está a provocar o angioedema, embora por vezes não seja uma resolução imediata.
3) Idiopático (sem causa identificável)
A maioria das situações; nos casos em que não há identificação de uma causa, é fundamental avaliar a resposta aos anti-histamínicos para categorizar essa forma de angioedema.
Angioedema hereditário
O angioedema hereditário é uma doença genética rara, causada por uma mutação e que afeta 1 em cada 10.000 a 50.000 indivíduos. O defeito genético no cromossoma 11 provoca uma deficiência ou mau-funcionamento de uma proteína chamada esterase de C1-inibidor, que faz parte de um grupo de moléculas conhecido como “sistema do complemento”. Esta proteína controla, entre outras coisas, a síntese e libertação de bradicinina, que é um potente mediador da inflamação.
Este defeito genético traz como consequência a ocorrência de episódios graves de angioedema, com início tipicamente pelos 20-30 anos de idade, que duram 2 a 5 dias, frequentemente assimétricos, e que podem afetar tanto a pele da face, pescoço, lábios, pálpebras, extremidades, braços e pernas, como tecidos mucosos como a garganta, língua ou glote produzindo quadros de dificuldade respiratória e incapacidade para engolir. Estes casos, se não se tratam rápida e assertivamente, podem provocar a morte por asfixia.
Também podem ocorrer episódios de edema da mucosa intestinal produzindo quadro de fortes dores abdominais, que por vezes se confundem com quadros de apendicite aguda. Os sintomas, muitas vezes, aparecem na infância, os episódios ocorrem de forma espontânea e tipicamente melhoram ao final de 36 horas.
Existem 3 variantes de angioedema hereditário, a saber:
i) Deficiência quantitativa de C1 inibidor (85% dos casos), de transmissão genética de tipo autossómica dominante;
ii) Deficiência qualitativa de C1 inibidor, ou seja, com quantidade normal, mas diminuição da sua atividade; também de transmissão genética de tipo autossómica dominante;
iii) Níveis e função normal de C1 inibidor, associado a uma mutação no gene que codifica o factor XII. Tipicamente ocorre em mulheres em fases “estrogénicas” (por exemplo, gravidez, puberdade, menopausa), ou quando tomam contracetivos orais contendo estrogénio. Existem casos muito raros descritos em homens.
No caso do angioedema hereditário, existem algumas circunstâncias que podem desencadear crises, como por exemplo traumatismos, intervenções cirúrgicas, procedimentos dentários, stress ou pouco descanso. O angioedema hereditário pode piorar devido a fatores hormonais, como os estrogénios que estão presentes nas pílulas anticoncecionais. Por esse motivo nos doentes com angioedema hereditário devem ser evitados esses métodos contracetivos, bem como devem ser evitados IECAs para o controlo da hipertensão arterial.
Também devem ser administrados com cautela alguns tipos de anti-inflamatórios porque podem potenciar crises de angioedema em alguns doentes.
Classificação da gravidade
Não existe propriamente uma classificação de gravidade, mas considera-se angioedema grave aquele cuja localização coloca em risco a vida, ou seja, se ocorrer na língua ou na glote pode, efetivamente, dificultar a respiração provocando asfixia, requerendo assistência imediata no Serviço de Urgência.
O angioedema é contagioso?
Não! O angioedema não é contagioso, por isso, não se transmite ou se “pega” ou “passa” de uma pessoa para outra.
O angioedema hereditário é uma doença transmissível mas de forma genética, por isso não se pode controlar se os filhos vão herdar dos pais.
O angioedema adquirido não tem qualquer risco de contágio.
Diagnóstico do angioedema
O diagnóstico do angioedema é clínico, após a observação pelo Médico das lesões de “inchaço” típicas (convém agendar consulta durante a crise, ou levar fotos que registem a ocorrência). Para a confirmação e para distinguir entre os vários tipos de angioedema, é feito estudo através de análises sanguíneas, que mostram padrões típicos de cada situação (ver quadro abaixo).
Resultados das análises esperados nos vários tipos de angioedema:
Tipo de angioedema |
C1 inibidor |
Função C1 inibidor |
C4 |
C1q |
Hereditário I |
Baixo |
Baixo |
Baixo |
Normal |
Hereditário II |
Normal |
Baixo |
Baixo |
Normal |
Hereditário III |
Normal |
Normal |
Normal |
Normal |
Adquirido |
Normal ou Baixo |
Baixo |
Baixo |
Baixo |
Complicações do Angioedema
O angioedema pode causar complicações dependendo da sua localização, por exemplo se ocorrer na língua ou na glote, pode dificultar a respiração provocando asfixia e requer assistência imediata.
Apesar de se falar muito na associação de angioedema a neoplasias, ou a doenças auto-imunes como é o caso do lúpus eritematoso sistémico, na verdade estas doenças não são uma complicação do angioedema mas sim a sua causa, embora se trate de situações raras.
O angioedema tem cura?
Não! Na maior parte das situações não tem cura. A exceção são os casos de angioedema adquirido induzido por fármacos ou provocado por outras doenças, porque nesses casos a evicção do fator desencadeante ou o tratamento da doença fazem desaparecer o angioedema.
Nos restantes tipos de angioedema, apesar de não haver cura, existem tratamentos. Saiba, de seguida, como tratar o angioedema.
Tratamento do Angioedema
O tratamento depende do tipo de angioedema. Exceto os casos de angioedema adquiridos por indução de fármacos ou provocados por outras doenças, em que a evicção do fator desencadeante (por exemplo os IECAS, como é o caso do lisinopril) ou o tratamento da doença fazem desaparecer o angioedema, nos restantes casos o objetivo do tratamento medicamentoso é aliviar os sintomas e acabar com a ocorrência de crises.
Os anti-histamínicos não-sedativos são a primeira e melhor linha de tratamento nos casos de angioedema adquirido idiopático. Os corticosteróides orais ou endovenosos podem ser necessários em situações de edema mais grave ou localizações mais perigosas. Se não houver redução das crises com os anti-histamínicos, então assume-se um mecanismo não-histaminérgico e será prudente iniciar tratamento com anti-fibrinolíticos (mais eficazes na profilaxia a longo prazo nestas situações do que os androgénios, e com menos efeitos laterais); o concentrado de C1 inibidor é o tratamento de eleição nas crises. Os antagonistas dos leucotrienos podem em teoria ter alguma eficácia, embora pouco demonstrada, e outros fármacos como a ciclosporina ou o omalizumab mostraram eficácia em casos esporádicos.
Nos casos de angioedema hereditário, existem duas classes principais de medicamentos (ou remédios) para prevenção (anti-fibrinolíticos e androgénios), e nas situações de crise utiliza-se concentrado de C1 inibidor ou icatibant (medicamento antagonista do recetor 2 da bradicinina).
Não existe, com eficácia comprovada, qualquer tipo de tratamento caseiro ou natural (alimentos, substâncias naturais, pomadas, etc) no tratamento do angioedema. O doente nunca deve em caso algum automedicar-se, sendo de enorme importância o acompanhamento médico e o cumprimento rigoroso da prescrição.