Otite

Anatomia do Ouvido

O que é otite?

O termo otite traduz uma inflamação / infecção no ouvido. A otite média (que afeta o ouvido médio) é a mais frequente, podendo no entanto ocorrerem otites no ouvido externo e no ouvido interno. Assim, conforme a sua localização no ouvido, podemos identificar os seguintes tipos de otite:

  • Otite média – Se a infeção afeta o ouvido médio (otite mais frequente);
  • Otite externa – Se a infeção afeta o ouvido externo;
  • Labirintite (otite interna) – Se a infeção afeta o ouvido interno;

Dizemos que estamos perante uma otite aguda quando existe um episódio infecioso em que os sintomas possuem uma duração inferior a 4 semanas. A otite crónica é uma perturbação inflamatória ou infeciosa cuja duração se arrasta no tempo, tipicamente quando os sintomas se estendem por mais de 12 semanas.

O termo otite utilizado isoladamente refere-se, por regra, à otite média aguda, devido à sua elevada incidência, fundamentalmente na infância. Entre as várias classificações possíveis para a otite média, a mais frequentemente utilizada pelos clínicos, devido à sua simplicidade, é a de miringite (inflamação da membrana do tímpano sem envolvimento do ouvido médio), otite média aguda, otite média com derrame e otite crónica.

Ao longo deste artigo iremos dar especial realce à otite média aguda pela sua alta taxa de incidência, fundamentalmente na infância, sem deixar de fazer algumas referências aos outros tipos de otite média.

Começaremos por fazer uma abordagem simples e resumida da anatomia e fisiologia do ouvido para um melhor enquadramento do tema.

Anatomia do ouvido

O ouvido externo (“parte de fora do ouvido”), revestido por pele, é composto pelo pavilhão auricular e pelo canal auditivo, que é delimitado internamente pela membrana timpânica (tímpano).

O ouvido médio (OM), revestido por uma mucosa de tipo respiratório, é composto pela cadeia ossicular (martelo, bigorna e estribo), pelas cavidades aéreas da caixa do tímpano e da mastóide, e pela trompa de Eustáquio que liga estas cavidades à nasofaringe.

O ouvido interno é a porção mais profunda do aparelho auditivo e é composto pela cóclea e pelo vestíbulo. Veja imagens superiores.

Fisiologia

O ouvido externo (OE), para além da função protetora da membrana do tímpano, capta e encaminha as ondas sonoras até ao ouvido médio.

O ouvido médio (OM) é responsável pela transmissão do som ao ouvido interno, após a sua amplificação pelo aparelho tímpano-ossicular, compensando a sua passagem de um meio aéreo para um meio líquido.

Para que este mecanismo ocorra é determinante o contributo da trompa de Eustáquio que, apenas abrindo de forma intermitente, permite a ventilação e limpeza das cavidades aéreas do OM, equalizando a sua pressão de ar com a do meio ambiente (a função deste mecanismo é bem entendida quando viajamos de avião) e impedindo, simultaneamente, a entrada de secreções provenientes da nasofaringe.

O ouvido interno (OI) tem uma dupla função: o vestíbulo que regista os movimentos do corpo e assegura a conservação do equilíbrio e a cóclea que transforma as ondas sonoras em impulsos elétricos para posteriormente serem enviados ao cérebro pelo nervo auditivo.

Otite média aguda 

A otite média aguda é uma das formas mais frequentes de infeção das vias aéreas superiores. Pode ser unilateral (afetar apenas o ouvido esquerdo ou o direito) ou afetar ambos os ouvidos (otite bilateral).

A otite infantil mais prevalente é a otite média aguda. A maior incidência de otite média aguda ocorre no bebé entre os seis meses e um ano e meio de idade, diminuindo progressivamente com a idade.

O primeiro episódio de otite média aguda surge frequentemente no primeiro ano de idade, sendo que até aos 3 anos de idade mais de metade das crianças já teve pelo menos um episódio infecioso.

Após os 5 anos de idade as otites médias agudas são menos frequentes, tornando-se pouco comuns na idade adulta.

Causas da otite média aguda

A otite média aguda consiste numa infeção de todo o ouvido médio, o que inclui a trompa de Eustáquio, a caixa do tímpano e a mastóide, que pode ser causada por bactérias (otite bacteriana), vírus (otite vírica ou viral) e muito raramente por fungos (otite fúngica).

As bactérias mais frequentemente envolvidas na otite bacteriana (60 a 80% dos casos) são o Pneumococcus, o Haemophilus influenza e a Moraxella catarrhalis.

A introdução da vacina antipneumocócica há alguns anos veio alterar a epidemiologia das infeções pneumocócicas - redução da infeção pelos serotipos contidos na vacina e aparecimento de novos serotipos multiresistentes não contidos na vacina. Após a introdução da vacina contra o Haemophilus tipo B (associado a doença mais grave 25% com meningite e bacteriémia), as otites médias agudas por Haemophilus devem-se a estirpes não tipáveis.

A etiologia vírica da otite média aguda está muito frequentemente associada à infeção viral ou vírica das vias aéreas superiores. Para além do vírus respiratório sincicial que é o que tem a maior incidência de otites médias agudas, outros vírus podem estar envolvidos, tais como o Rhinovirus, o Adenovirus, o Enterovirus, ...

Designa-se como otite média recorrente ou otite de repetição quando há a ocorrência de pelo menos três episódios infeciosos em 6 meses ou quatro episódios num ano. Ou seja, são episódios de otites frequentes e que devem ser avaliados pelo médico otorrinolaringologista.

Fatores de risco para a OMA

O principal fator responsável pelo surgimento da otite média aguda é a idade. As crianças mais pequenas, devido à imaturidade imunitária e às particularidades anatómicas próprias da idade, possuem uma maior incidência de otite média aguda.

Nas crianças, a tuba de Eustáquio é anatomicamente diferente da dos adultos, é mais curta, menos angulada, o que dificulta a sua abertura e favorece o seu entupimento em caso de infeção respiratória, levando nestas circunstâncias a uma acumulação de secreções no ouvido médio. A posterior colonização por bactérias, leva à infeção e ao aumento da pressão do ouvido médio.

Outros fatores de risco para otite média aguda são:

  • As infeções das vias aéreas superiores, também muito comuns durante a primeira infância, tais como: a rinosinusite e a adenoidite predispõem à otite média aguda;
  • A colonização das adenóides com Pneumococcus, Haemophilus influenza e Moraxella catarrhalis é frequentemente encontrada em crianças com otite média aguda recorrentes (otites frequentes ou de repetição);
  • As crianças com malformações congénitas crânio-faciais (ex: fenda do palato não corrigida) e com síndrome de Down possuem maior incidência de otite média aguda;
  • A frequência do infantário e a presença de outros irmãos em casa aumenta a incidência de otite média aguda;
  • Ausência de aleitamento materno;
  • Uso de chupeta;
  • Exposição ao fumo de tabaco;
  • Más condições alimentares (alimentação inadequada) e habitacionais;
  • Estações do ano, havendo um pico de maior incidência de otites no Outono e no Inverno;
  • Refluxo gastro-esofágico.

A otite média aguda é contagiosa?

A otite média aguda quando associada a infeção viral das vias aéreas é contagiosa. Ou seja, a infeção “pega-se” ou é transmissível de pessoa para pessoa. Nestes casos, as crianças não devem frequentar a escola pois podem contagiar outras crianças.

Diagnóstico da otite média aguda

O diagnóstico de otite média aguda é feito pelo médico com base na história clínica do doente e da observação direta do ouvido (otoscopia).

Por regra, não são necessários exames complementares no diagnóstico da OMA. Estes apenas se realizam em caso de complicações.

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Sinais e sintomas da otite média aguda

Como principais sinais e sintomas da otite média aguda, podemos referir:

  • Os principais sintomas da otite média aguda nas crianças são: febre, dor de ouvido, agravada durante a noite e perda auditiva temporária. Estes sintomas habitualmente surgem de forma súbita (de repente);
  • Em lactentes e crianças pequenas, o diagnóstico pode ser mais difícil, pois os sintomas são menos típicos, podendo incluir irritabilidade, choro frequente, recusa alimentar, esfregar o ouvido com a mão, vômitos, diarreia e sintomas de rinite e de bronquiolite;
  • Os sinais otoscópicos na otite média aguda são o abaulamento, diminuição da mobilidade e opacificação da membrana do tímpano, bem como a presença de otorreia (saída de secreção purulenta pelo ouvido);
  • A perfuração espontânea do tímpano no decorrer da otite média aguda é uma ocorrência comum. O paciente sente um súbito alívio da dor e melhoria da audição, associado à saída de secreção pelo ouvido (otorreia), que pode ser sero-mucosa, purulenta ou sanguinolenta. A perfuração do tímpano e a otorreia podem permanecer durante semanas, levando à otite média crónica supurativa (otite purulenta) ou simplesmente desaparecer espontaneamente após poucos dias.
  • A otite serosa ,otite média com derrame ou otite média secretora, caracteriza-se por uma inflamação do ouvido médio, sem sinais inflamatórios agudos e derrame seromucoso, é frequente após a resolução de uma otite média aguda, podendo resolver espontaneamente após 1 a 3 meses. Do ponto de vista clínico esta otite média serosa caracteriza-se fundamentalmente por uma perda auditiva ligeira a moderada (sensação de ouvido tapado). A resolução da otite média serosa deve ser vigiada e assegurada por observação direta (otoscopia) e com a realização de exames de audiometria e impedanciometria. Os casos arrastados de OMD podem evoluir para otites médias crónicas simples ou colesteatomatosas (otite colesteatomatosa).

Complicações da otite média

Uma perda auditiva ligeira e temporária é um sintoma comum das otites médias agudas, que melhora após a resolução do quadro clínico. Contudo, nas situações que evoluem para otite média crónica a perda auditiva torna-se permanente devido ao dano timpânico e/ou da cadeia ossicular.

As outras complicações da otite média aguda, atendendo às suas relações anatómicas, sempre graves e de resolução complexa, podem ser classificadas em:

Complicações intratemporais

  • Labirintite (infeção ou inflamação do ouvido interno);
  • Paralisia do nervo facial;
  • Mastoidite aguda;

Complicações intracranianas

  • Meningite;
  • Abcesso cerebral;
  • Tromboflebite do seio sigmóide.

A evolução para otite média crónica pode ocorrer nos casos arrastados e não vigiados de otites médias com derrame, podendo resultar em:

  • otite média crónica simples;
  • otite média crónica colesteatomatosa (mais perigosa pelo risco de potenciais complicações).

Perante uma otite crónica, que implica uma perda auditiva permanente, há sempre uma abordagem clínica complexa, que obriga a exames complementares e tratamentos cirúrgicos (que não abordamos neste artigo).

Tratamento da otite média

Apesar da otite média aguda não complicada ser uma doença que tende para a cura espontânea (15-20% a Pneumococcus, 50% a Haemophilus influenzae e 75% a Moraxella catarrhalis) e apenas justificar o controlo da dor e o alívio das vias aéreas superiores, esta evolução deve ter reavaliação clínica obrigatória às 48H-72H. Esta conduta permite reduzir o consumo de antibióticos e evitar a seleção de bactérias cada vez mais resistentes. Ou seja, a prescrição de antibióticos deve ser criteriosamente efetuada, pois nem todas as otites necessitam de ser tratadas com o recurso a antibioterapia, que é o caso da otite virica.

Contudo, a utilização inicial de antibiótico na otite média aguda não complicada tem algumas indicações absolutas:

  • Existência de otorreia;
  • Otite média aguda bilateral (otite que afeta os dois ouvidos);
  • Idade inferior a 2 anos;
  • Mau estado geral, com febre alta, dor e prostração.

Os antibióticos mais frequentemente utilizados na otite média aguda são:

  • Amoxicilina;
  • Amoxicilina com ácido Clavulânico (mais eficaz contra as bactérias produtoras de B-lactamase);
  • Cefuroxima ou Ceftriaxona.

Em caso de alergia à penicilina:

  • Eritromcina;
  • Claritromicina;
  • Azitromicina.

Alguns medicamentos (ou remédios) analgésicos, anti-inflamatórios e antipiréticos permitem aliviar a dor no ouvido, reduzir a inflamação e baixar a febre, caso ela exista. Entre a medicação mais usada encontramos o Paracetamol e o Ibuprofeno. O tratamento medicamentoso deve sempre ser prescrito pelo médico, devendo o doente tomar a medicação tal como prescrito e seguir as instruções médicas. Uma boa hidratação, através da ingestão de água natural, chãs, entre outros, é um bom complemento caseiro ao tratamento medicamentoso atrás descrito.

Como vimos anteriormente, algumas otites podem desencadear complicações potencialmente graves. Neste sentido, é muito importante que o doente nunca se automedique e consulte o médico em caso de agravamento dos sintomas.

O tratamento cirúrgico (cirurgia ou operação) tem indicação nas otites médias agudas recorrentes (otites de repetição) e consiste na Miringotomia com colocação de tubo de ventilação transtimpânico associada ou não a Adenoidectomia (que visa reduzir a colonização bacteriana crónica das adenóides na nasofaringe).

O Médico responsável pela evolução menos favorável das otites e das suas complicações é o Otorrinolaringologista (especialista em otorrinolaringologia).

Prevenção e vacinas

O tratamento profilático com algumas vacinas (Haemophilus influenza tipo B ,Streptococcus pneumoniae (pneumococo) e vírus Influenza (gripe) têm conseguido reduzir substancialmente a incidência de otite média aguda e são, por isso, uma importante medida de prevenção.

Outras medidas preventivas que permitem evitar ou reduzir o risco de contrair uma infeção podem também ser tomadas, através da mitigação dos riscos associados aos fatores de favorecimento da otite (não fumar ou estar exposto ao fumo do tabaco, fazer uma alimentação adequada, etc). Veja mais informação em fatores favorecedores das otites em causas para a OMA.

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