A diminuição ou perda do desejo sexual costuma ser uma das queixas mais comuns das mulheres em consultas de sexologia. A falta de desejo para fazer sexo pode indicar o início de uma perturbação. Homens e mulheres têm-se queixado da falta de desejo, causando, muitas vezes, sofrimento e dificuldades interpessoais.
O desejo sexual é um fenómeno subjetivo e complexo, “é a soma das forças que nos leva ao comportamento sexual ou nos afasta dele” (Levine, S.). O desejo sexual é multifatorial, o que significa que é afetado por múltiplas variáveis, sendo dependente da interação entre forças biológicas (mecanismos neuroendócrinos), psicológicas (sonhos, fantasias sexuais, motivação e disponibilidade para o comportamento sexual) e culturais, educacionais e relacionais (valores, educação, a recetividade do parceiro, o meio ambiente, entre outras).
O desejo e a excitação sexual surgem de forma gradual. Anteriormente acreditava-se que primeiro surgia o desejo sexual e só depois a excitação, hoje sabemos que o desejo e a excitação sexual podem surgir ao mesmo tempo ou depois do início da experiência de excitação.
O desejo sexual feminino ainda é mais complexo, delicado, sensível e suscetível.... Em particular, no universo feminino, o fortalecimento do vínculo amoroso e da intimidade emocional, o prazer e bem-estar, sentir-se atraente, feminina constituem uma diversidade de razões que levam ao envolvimento em atividade sexual. No entanto, nem sempre o desejo sexual está presente antes de iniciar a relação sexual, ou seja, nem sempre o desejo sexual é o “motor” da relação sexual e uma relação sexual pode iniciar-se sem o desejo estar presente, sendo aliás o que acontece muitas vezes em relações de longa duração. Uma mulher pode iniciar o ato sexual sem sentimentos prévios de excitação que surgem através da motivação, que pode ser positiva ou negativa (evitar uma experiência negativa) e que influencia a vontade de envolvimento no ato sexual. O desejo sexual é uma experiência dinâmica que envolve a presença de estímulo sexual, a experiência de sentir prazer e a motivação para o envolvimento sexual.
O que é a perturbação do interesse / excitação sexual?
A perturbação do interesse/excitação sexual é uma disfunção sexual caracterizada pela deficiência ou a ausência persistente ou recorrente de desejo ou fantasia sexual para a atividade sexual conduzindo a acentuado sofrimento e dificuldades interpessoais. Esta disfunção sexual pode ocorrer tanto em homens como em mulheres.
Existem critérios para o diagnóstico segundo o Manual de Doenças Mentais. É muito importante que o diagnóstico seja efetuado pelo médico ou terapeuta sexual, pois trata-se também de um diagnóstico de exclusão, ou seja, é importante descartar outras causas possíveis.
Os critérios do DSM-5 (Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais 5.ª edição) para diagnóstico de Transtorno do Interesse/Excitação Sexual Feminino são os seguintes:
A. Ausência ou redução significativa do interesse ou da excitação sexual, manifestada por pelo menos três dos seguintes:
- Ausência ou redução do interesse pela atividade sexual;
- Ausência ou redução dos pensamentos ou fantasias sexuais/eróticas;
- Nenhuma iniciativa ou iniciativa reduzida de atividade sexual e, geralmente, ausência de recetividade às tentativas de iniciativa feitas pelo parceiro;
- Ausência ou redução na excitação/prazer sexual durante a atividade sexual em quase todos ou em todos (aproximadamente 75 a 100%) os encontros sexuais (em contextos situacionais identificados ou, se generalizado, em todos os contextos);
- Ausência ou redução do interesse/excitação sexual em resposta a quaisquer indicações sexuais ou eróticas, internas ou externas (p. ex., escritas, verbais, visuais);
- Ausência ou redução de sensações genitais ou não genitais durante a atividade sexual em quase todos ou em todos (aproximadamente 75 a 100%) os encontros sexuais (em contextos situacionais identificados ou, se generalizado, em todos os contextos).
B. Os sintomas do Critério A persistem por um período mínimo de aproximadamente seis meses.
C. Os sintomas do Critério A causam sofrimento clinicamente significativo para a pessoa.
D. A disfunção sexual não é mais bem explicada por um transtorno mental não sexual ou como consequência de uma perturbação grave do relacionamento (p. ex., violência do parceiro) ou de outros fatores de stress importantes e não é atribuível aos efeitos de alguma substância/medicamento ou a outra condição médica.
Ainda é importante perceber o subtipo:
- Presente ao longo da vida / Inato: A perturbação esteve presente desde que a mulher se tornou sexualmente ativa;
- Adquirido: A perturbação iniciou depois de um período de função sexual relativamente normal.
E determinar o subtipo:
- Generalizado: Não se limita a determinados tipos de estimulação, situações ou parceiros.
- Situacional: Ocorre somente com determinados tipos de estimulação, situações ou parceiros.
Também podemos especificar ainda se é:
- Leve: Evidência de sofrimento leve em relação aos sintomas do Critério A.
- Moderada: Evidência de sofrimento moderado em relação aos sintomas do Critério A.
- Grave: Evidência de sofrimento grave ou extremo em relação aos sintomas do Critério A.
Esta disfunção não surge de uma hora para outra, o seu desenvolvimento é gradual e, por isso, é preciso estar atenta aos sintomas e procurar ajuda.
E o desejo sexual no feminino, como funciona?
A disfunção sexual no feminino pode ser vivida pela incapacidade de sentir interesse ou excitação, ou ambos, associado a dor ou à dificuldade em atingir o orgasmo. Podem surgir num espectro que vai desde a resposta ao prazer sexual. Por vezes, pode existir apenas uma diminuição do interesse ou uma diminuição da excitação sexual.
A perturbação do desejo/excitação sexual tem sido muito referida pelas mulheres.
A diminuição do interesse sexual pode aparecer em 17-35% das mulheres e aumenta para 40-50% em mulheres com mais de 65 anos. A diminuição da excitação pode estar presente em 21-28% das mulheres. Um pouco menos de 20% apresenta dificuldades de lubrificação e mais de 20% achava o sexo desagradável. Inegavelmente trata-se de uma ampla prevalência de queixas sexuais femininas.
Muitos são os fatores que contribuem para o desinteresse sexual, a saber:
- Fatores Biológicos / Físicos: quando existem desequilíbrios hormonais tais como, estrogénio, testosterona, prolactina e tiroxina, como por exemplo aquando da menopausa, com as alterações hormonais presentes, também podem resultar na falta de desejo ou no período pós-parto. A toma de medicamentos e os seus efeitos colaterais, doenças que afetam o sistema urogenital, cirurgias, dor crónica ou doenças crónicas;
- Fatores do desenvolvimento: ausência de educação ou permissão sexual, infância e adolescência marcadas pela privação emocional, física, verbal ou afetiva, trauma ou coerção sexual;
- Fatores interpessoais: conflitos, insultos, ausência de estimulação adequada, perdas no relacionamento e incompetência ou disfunção sexual do parceiro;
- Fatores culturais: questões morais e crenças religiosas ou culturais relativas a conduta sexual apropriada;
- Fatores contextuais: aspetos ambientais, como privacidade, segurança e conforto, eventos causadores de stress do dia a dia, etc..
Além destes fatores é fundamental avaliarmos a relação com o parceiro, caso esta exista, muitas vezes as principais queixas recaem sobre os parceiros e incluem poucos carinhos preliminares, desinteresse por parte deles ou até disfunção sexual masculina. É importante avaliarmos a compatibilidade conjugal antes de diagnosticar a disfunção, uma vez que a participação do parceiro pode influenciar fortemente o desejo feminino para o sexo.
Algumas dicas para a melhoria do interesse sexual
O modelo de resposta sexual feminino proposto por Rosemary Basson (2000) é constituído pelas fases de desejo, excitação, orgasmo e resolução ou relaxamento, com o diferencial de que as respostas femininas resultam mais da necessidade de intimidade, do que propriamente de uma estimulação sexual física. Este modelo valoriza a resposta e a recetividade feminina, sendo o desejo de intimidade e a motivação o principal desencadeador de resposta sexual.
Uma dica importante prende-se com o facto de que uma relação sexual poder iniciar-se sem o desejo estar presente, sendo aliás o que acontece muitas vezes nas relações de longa duração, ou seja, muitas vezes o desejo sexual não tem a mesma força nem a mesma intensidade que tinha no início da relação e isso não nos faz estar na presença de uma disfunção. Assim, é importante esclarecer que o desejo sexual pode ser espontâneo ou inato que se caracteriza pela existência de pensamentos e fantasias sexuais, pela consciência de querer sensações sexuais per se, antes de haver qualquer atividade sexual e desejo sexual pode ser responsivo que é um desejo que surge em resposta a um estímulo, ou seja, na presença de determinado estimulo que desencadeia excitação sexual, a mulher acaba por sentir desejo de continuar a relação sexual. É este desejo responsivo que está presente em muitas ocasiões, sobretudo nas relações de longa duração.
O desejo sexual feminino é flutuante, dependendo do estado físico, emocional e relacional. A terapeuta sexual Esther Perel defende que o aumento da intimidade emocional entre os parceiros leva a uma diminuição do desejo sexual, porque o desejo cresce habitualmente com o mistério, a novidade, o desconhecido e o imprevisível, não com a familiaridade e com os hábitos das relações domésticas, previsíveis e rotineiras. Por isso, a terapeuta defende que o segredo é conseguir a reconciliação entre o doméstico e o erótico. A solução para esta dificuldade é ser capaz de conciliar a necessidade de segurança, previsibilidade, estabilidade e permanência com a forte necessidade de novidade, surpresa, aventura e atração pelo risco, tornando esta conciliação em contexto conjugal um verdadeiro desafio, uma vez que são necessidades tão antagónicas.
No entanto é muito importante ressalvar que:
- A atividade sexual deve ser iniciada quando ambas as pessoas assim o desejam, sentir liberdade e segurança para expressar as necessidades individuais é fundamental;
- Uma pessoa que experiencia desconforto, sofrimento e/ou dor tem o direito de interromper o ato ou aproximação sexual. É fundamental protegermo-nos de experiências negativas;
- É importante desenvolver estilos de vida mais saudáveis. A fadiga, cansaço e stress podem afetar negativamente o desejo/interesse sexual;
- Fatores negativos que afetam a motivação individual podem dificultar o envolvimento e interesse sexual – a comunicação aberta e honesta é crucial;
- Em casos de abstinência sexual, modificar as rotinas diárias pode fortalecer uma maior intimidade.
- Embora deixemos aqui algumas dicas que podem melhorar o desejo sexual, não podemos esquecer que o tratamento da perturbação de interesse / excitação sexual deve ser individualizado de acordo com o motivo causador do distúrbio, os fatores intervenientes, entre outros. O tratamento pode ser realizado com alguns medicamentos, reposição hormonal, fisioterapia, acompanhamento psicológico, entre outras abordagens. Por isso deve sempre consultar o seu médico ou um sexólogo/terapeuta sexual quando sentir alguma destas dificuldades aqui relatadas.