A doença celíaca é uma patologia auto-imune gastrointestinal na qual existe uma sensibilidade crónica ao glúten e ocorre em indivíduos com uma pré-disposição genética.
Na doença celíaca existe um estado crónico de inflamação na mucosa intestinal e que está associado à ingestão de glúten. A ingestão de alimentos com glúten desencadeia reações imunológicas contra o próprio intestino, alterando a mucosa e tendo consequências, como por exemplo a má absorção de nutrientes e o aumento de risco do desenvolvimento de outras doenças.
Causas da doença celíaca
A doença celíaca aparenta ter uma etiologia multifatorial e não apenas uma causa, ou seja, existem vários fatores que contribuem para o seu aparecimento e manifestação. Entre os fatores normalmente associados à doença celíaca temos fatores ambientais, como a introdução precoce do glúten na alimentação dos lactentes, fatores imunológicos e fatores genéticos.
Algumas variações genéticas podem aumentar o risco do desenvolvimento de doença celíaca, como o caso dos genes HLA DQ2 e DQ8, que têm vindo a ser associados à presença da doença.
Uma vez que a doença celíaca é uma doença auto-imune existe uma forte componente hereditária e recorrência familiar, pelo que indivíduos com familiares de 1ºgrau de parentesco com doença celíaca devem ser considerados como grupo de risco.
Atualmente, estima-se que em Portugal a doença celíaca afete entre 1 a 3 % da população.
Sintomas da doença celíaca
Os sintomas da doença celíaca variam de pessoa para pessoa e dependem de vários fatores tais como: a idade do doente, a extensão da lesão da mucosa intestinal, da sensibilidade ao glúten e da sua ingestão diária de glúten.
Os sintomas manifestados podem afetar vários sistemas de órgãos para além do trato gastrointestinal.
Por norma, os principais sinais e sintomas apresentados pelos doentes são:
- Diarreia;
- Esteatorreia;
- Distensão abdominal (barriga inchada);
- Dor abdominal (dores de barriga);
- Flatulência (gases);
- Atraso no crescimento;
- Atrofia muscular;
- Falta de apetite;
- Perda de peso.
Normalmente, nas crianças os sintomas apresentados são os chamados “clássicos” como diarreia, esteatorreia (presença de gordura nas fezes), fezes fétidas, inchaço abdominal, apatia, fadiga e baixo ganho ponderal (baixo ganho de peso).
Para além dos sintomas anteriormente mencionados, os doentes, principalmente na idade adulta, têm vindo apresentar também sintomas da forma “não-clássica”, como por exemplo:
- Anemia;
- Cansaço crónico;
- Infertilidade e abortos espontâneos;
- Aftas recorrentes;
- Dores ósseas e cãibras;
- Alterações comportamentais;
- Dermatite herpetiforme (erupção cutânea com comichão)
Os primeiros sintomas podem aparecer a qualquer momento da vida do doente, desde a infância até à idade-adulta.
Na infância os sintomas surgem mais frequentemente entre os 6 e os 24 meses, podendo iniciar-se após a introdução de cereais com glúten. Na idade adulta os sintomas surgem frequentemente entre a quarta e a quinta década de vida.
A doença celíaca pode, em alguns casos, ser inicialmente diagnosticada como síndrome do intestino irritável, intolerância à lactose (deficiência de lactase, enzima responsável pela digestão da lactose presente nos produtos lácteos) ou outros distúrbios que não envolvam o trato gastrointestinal, isto porque os sintomas apresentados e o seu início podem variar.
Saiba, aqui, tudo sobre a síndrome do intestino irritável.
Saiba, aqui, tudo sobre a intolerância à lactose.
Em alguns casos, quando existe um diagnóstico tardio, pode ocorrer situações de malnutrição, devido a uma inadequada absorção de nutrientes.
Estas manifestações tendem a reverter quando o doente inicia uma dieta isenta de glúten, no entanto alguns doentes mantêm alguns dos sintomas.
Alguns doentes celíacos apresentam também outras patologias associadas à doença celíaca, que tendem a manifestar-se em simultâneo ou após o diagnóstico. Destas condições associadas à doença celíaca temos as auto-imunes e as genéticas, tais como:
Doenças autoimunes:
- Diabetes mellitus tipo 1;
- Tiroidite auto-imune;
- Hepatite auto-imune;
- Cirrose biliar primária;
- Colangite esclerosante primária;
- Síndrome de Sjögren.
Doenças genéticas:
- Síndrome de Down;
- Síndrome de Turner;
- Síndrome de Williams;
- Deficiência de IgA.
Diagnóstico de doença celíaca
O diagnóstico da doença celíaca não pode ser realizado apenas com base nos sintomas. Para que esta possa ser corretamente diagnosticada é necessário a realização não só de uma avaliação clinica, mas também de exames laboratoriais e biópsia intestinal.
Assim que exista suspeita de doença celíaca é necessário efetuar os seguintes exames complementares:
- Análises clínicas para verificar a existência de anticorpos para a doença celíaca – anti-transglutaminases IgA e/ou IgG; anti-gliadina desaminada IgA e/ou IgG; anti-endomisio IgA e/ou igG;
- Biópsia ao intestino para confirmação do diagnóstico;
- Poderá também ser realizado um teste genético – para pesquisa de HLA DQ2 e DQ8
Uma vez que uma dieta isenta de glúten pode levar à ocorrência de falsos negativos não é recomendado que o doente faça qualquer restrição antes da confirmação do diagnóstico através da biópsia.
Paralelamente, nos pacientes diagnosticados recentemente deve ser avaliada a existência de possíveis carências nutricionais, sendo recomendado a análise dos níveis de ferritina, ácido fólico e vitamina D 25-OH. No caso de pacientes com sintomas mais graves, como diarreia ou perda de peso, pode ser recomendada a análise de outras vitaminas e minerais, como por exemplo as vitaminas lipossolúveis (A, E, K) e o zinco.
Tratamento da doença celíaca
A doença celíaca não tem cura, sendo que o tratamento deverá ser dirigido para o controlo da doença, nomeadamente através da adoção de uma dieta isenta de glúten.
A adoção da dieta isenta de glúten leva à diminuição do processo auto-imune, sendo que a maioria dos doentes relata uma diminuição dos sintomas ao fim de 2 a 8 semanas. Com um controlo alimentar restrito, na maioria dos doentes, os níveis de anticorpos específicos tendem, normalmente, a baixar ao fim de 3 a 6 meses.
A dieta isenta de glúten leva a alterações não só na alimentação, mas também no estilo de vida do doente, pelo que é essencial um acompanhamento multidisciplinar, nomeadamente pelo médico e pelo nutricionista.
O apoio e reeducação não só do doente, mas também do seu meio familiar mais próximo é uma parte indispensável para a adoção de uma dieta isenta de glúten com sucesso.
Dieta isenta de glúten
A dieta isenta de glúten consiste na eliminação total de produtos com glúten.
O glúten é um conjunto de proteínas vegetais presente no endosperma de alguns cereais. Este é responsável pela elasticidade das massas, dando a consistência própria dos produtos de padaria e pastelaria com glúten.
O glúten consiste mais especificamente em frações peptídicas específicas de proteínas (prolaminas) que são encontradas em cereais como o trigo, centeio e cevada.
Os péptidos de glúten são mais resistentes à digestão completa das enzimas gastrointestinais, podendo atingir o intestino delgado. No caso dos doentes celíacos, estes viajam pelo lúmen do intestino e podem desencadear uma resposta inflamatória, juntamente com uma resposta imunitária.
Através da eliminação do glúten da dieta o intestino tem a capacidade de regenerar as lesões, havendo uma melhoria dos sintomas e também do estado nutricional.
No entanto, para que haja a manutenção de uma alimentação saudável e equilibrada os alimentos com glúten não devem ser apenas eliminados, mas sim substituídos por alternativas isentas de glúten.
Numa dieta isenta de glúten é necessária a eliminação das principais fontes de glúten, como o trigo, centeio, cevada, mas também dos seus híbridos e dos derivados dos mesmos.
Onde podemos encontrar o glúten?
O glúten pode ser encontrado nos seguintes alimentos:
Eliminar – grãos, farinhas e amidos com glúten
- Trigo (farinha de trigo, farelo de trigo, gérmen de trigo e amido de trigo);
- Trigo integral;
- Cevada;
- Centeio;
- Aveia;
- Espelta;
- Kamut;
- Einkorn;
- Durum;
- Graham;
- Semolina;
- Triticale;
- Cuscuz;
- Seitan.
Como alternativas isentas de glúten temos, por exemplo, os seguintes alimentos:
Permitidos - grãos, farinhas e amidos sem glúten
- Arroz;
- Quinoa;
- Fécula de batata e amido de batata;
- Amaranto;
- Araruta;
- Trigo sarraceno;
- Milho (amido de milho e farelo de milho);
- Farinha de leguminosas (como por exemplo grão de bico);
- Farinha de oleaginosas (amêndoa, noz, avelã);
- Sementes de linhaça;
- Millet;
- Farinha de soja;
- Tapioca;
- Teff.
Uma dieta completamente isenta de glúten requer um cuidado extra, nomeadamente uma análise atenta dos rótulos de todos os produtos de panificação e de alimentos embalados.
Os grãos, farinhas e amidos que contêm glúten podem ser adicionados durante o processamento ou a preparação de alimentos. Como tal, existem alimentos que por terem na sua composição múltiplos ingredientes, podem ou não conter glúten, sendo obrigatória uma leitura cuidada do rótulo do produto.
Exemplos de alguns produtos que podem conter glúten na sua composição:
- Broa de milho;
- Carnes processadas, como por exemplo a carne picada;
- Produtos pré-confecionados, congelados, enlatados, etc.;
- Queijos industriais;
- Iogurtes de pedaços e cremosos;
- Leite achocolatado;
- Sobremesas instantâneas;
- Batatas fritas de pacote.
Estes são apenas alguns exemplos de produtos que podem conter glúten, pelo que o doente celíaco deve efetuar uma leitura atenta do rótulo do produto ou, em caso de dúvida, falar com o seu médico ou nutricionista.
Contaminação cruzada com glúten
Um outro ponto a ter em consideração numa dieta isenta de glúten é a exposição acidental ao glúten.
Pode ocorrer uma contaminação de produtos sem glúten por outros produtos com glúten, seja em casa ou fora de casa, pelo que é indispensável reduzir ao máximo a possível contaminação cruzada entre produtos.
Para a prevenção da contaminação cruzada por glúten é necessário a adoção de medidas de prevenção, tanto em casa como fora de casa.
Em casa, o ideal será implementar uma dieta isenta de glúten para toda a família, no entanto tal não sendo possível devem ser adotadas medidas de prevenção para evitar a contaminação cruzada durante a preparação, confeção e armazenamento.
Como exemplos destas medidas preventivas temos:
- Utilizar utensílios diferentes para a confeção de alimentos com e sem glúten. O mesmo utensílio não pode ser usado em ambos os alimentos;
- Armazenar os produtos com e sem glúten em recipientes diferentes e lavar bem o recipiente antes de o utilizar;
- Na despesa e no frigorífico armazenar os alimentos com glúten num local separado dos alimentos sem glúten;
- Utilizar uma esponja e um pano diferente para lavar e enxugar os utensílios utilizados para manusear alimentos com e sem glúten;
- Não utilizar o mesmo óleo para fritar alimentos sem glúten e alimentos com glúten;
- Não utilizar a mesma torradeira para tostar o pão com glúten e o pão sem glúten.
Por forma a que o doente realize uma correta adesão e adoção de uma dieta isenta de glúten, evitando que ocorra uma incorreta interpretação das informações, é recomendado um acompanhamento inicial por um nutricionista com experiência na dieta isenta de glúten.