A Perturbação Estado Limite (Borderline) da Personalidade diz respeito a uma estrutura de personalidade marcada por uma grande instabilidade a nível das relações interpessoais, dos afetos e da autoimagem, combinada ainda com uma grande impulsividade.
Como tal, a Perturbação Borderline da Personalidade tende a provocar uma grande disfuncionalidade e sofrimento nos demais contextos de vida da pessoa, quer a nível pessoal, social e/ou laboral.
Como é realizado o diagnóstico?
O diagnóstico clínico da Perturbação Borderline da Personalidade obedece aos critérios de diagnóstico definidos pela quinta edição do Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais - DSM-V, desenvolvido pela American Psychiatric Association (APA) em 2013. Critérios de diagnóstico (APA, 2013):
Padrão global de instabilidade no relacionamento interpessoal, na autoimagem e afetos, e impulsividade marcada, começando no início da idade adulta e presente numa variedade de contextos, como indicado por 5 ou mais dos seguintes critérios:
- Esforços frenéticos para evitar o abandono, real ou imaginado;
- Um padrão de relações interpessoais intensas e instáveis, caracterizado por uma alternância entre extremos de idealização e desvalorização;
- Perturbação de identidade: autoimagem ou sentimento de si próprio marcados e persistentemente instáveis;
- Impulsividade em pelo menos duas áreas que são potencialmente autolesivas (por exemplo, gastos, sexo, abuso de substâncias, condução imprudente, ingestão alimentar compulsiva);
- Comportamentos, gestos ou ameaças recorrentes de suicídio ou comportamento automutilante;
- Instabilidade afetiva devido a reatividade de humor marcada (por exemplo, episódios intensos de disforia, irritabilidade ou ansiedade, em regra durando poucas horas e raramente mais do que alguns dias);
- Sentimento crónico de vazio;
- Raiva intensa ou inapropriada, ou dificuldades em controlar a raiva (por exemplo, demostrações frequentemente de temperamento, raiva constante, lutas físicas recorrentes);
- Ideação paranoide transitória reativa ao stresse ou sintomas dissociativos graves.
Outras características da P. Borderline da Personalidade
Estima-se que a Perturbação Borderline da Personalidade esteja presente em cerca de 2% a 6% da população mundial, tendo sido predominantemente diagnosticada no sexo feminino (cerca de 75% nas mulheres e 25% nos homens).
A Perturbação da Personalidade Borderline revela uma grande variabilidade, onde o padrão mais comum é a existência de uma instabilidade marcada no início da idade adulta, com a presença de episódios graves de descontrolo da afetividade e dos impulsos. No entanto, pode ser possível identificar alguns sinais clínicos no período da adolescência. Já com o avanço da idade, tende a existir uma estabilização desta perturbação, sobretudo na terceira/quarta década de vida, onde uma grande parte de pessoas com Perturbação Borderline da Personalidade alcança uma maior estabilidade nos seus relacionamentos e funcionamento afetivo. Como tal, o prognóstico da Perturbação Borderline da Personalidade poderá revelar-se favorável, sobretudo, se existir um acompanhamento terapêutico adequado.
As características centrais desta perturbação de personalidade remetem para a presença de grandes flutuações, com períodos de grande confiança pessoal, a momentos de grande desespero e desorganização emocional, com rápidas mudanças de humor e medo intenso face ao abandono e rejeição. São pessoas emocionalmente muito instáveis, podendo rapidamente oscilar entre a alegria, a calma, ou a irritabilidade e a tristeza. Neste ponto, por vezes, tende a predominar alguma confusão entre a Personalidade Borderline e Perturbação Bipolar. Contudo, a primeira refere-se a um distúrbio de personalidade, remetendo para um padrão de pensamento e comportamento rígidos e desajustados, com alterações emocionais intensas e rápidas (por vezes, a ocorrer num só dia); já a Perturbação Bipolar é uma perturbação do humor, caracterizada por uma alternância de episódios de euforia (designados de mania), combinados com episódios depressivos, mas de maior duração (isto é, podem durar semanas ou meses). Todavia, os dois distúrbios podem coexistir, uma vez existirem comorbilidades associadas à Perturbação Borderline da Personalidade.
A forma de sentir e pensar de uma pessoa com Perturbação Borderline da Personalidade é, assim, muitas vezes classificada de “tudo ou nada”, “preto ou branco”. Como tal, tendem a ver o mundo e as relações em polos de idealização e desvalorização: rapidamente a situação passa de fantástica a terrível, as pessoas de extraordinárias a malvadas. Em situações mais extremas e de grande stresse, podem surgir sintomas dissociativos graves, como delírios e alucinações auditivas e visuais, embora transitórios e de curta duração (distinguindo-se, assim, de um quadro de esquizofrenia).
Pessoas com Perturbação Borderline da Personalidade podem revelar um padrão de “autossabotagem”, sobretudo quando estão perto de alcançar um objetivo – por exemplo, abandonar um percurso académico imediatamente antes da sua graduação, ou terminar uma relação positiva quando a mesma se pode revelar duradoura. A existência de um padrão instável na esfera interpessoal pode proporcionar que estes indivíduos sejam despedidos recorrentemente nos seus contextos laborais, assim como revelar uma sucessão de términos de relações e/ou divórcios. Ademais, pela possibilidade de existirem comportamentos autolesivos ou tentativas de suicídio, poderão resultar incapacidades físicas graves.
Estes comportamentos autolesivos têm frequentemente a função de proporcionar alívio face a um sofrimento e stresse que são intoleráveis para a pessoa com Perturbação Borderline da Personalidade.
As perturbações coocorrentes mais comuns com a Perturbação Borderline da Personalidade incluem a perturbação depressiva ou bipolar, perturbações de ansiedade, a perturbação de uso de substâncias e perturbações alimentares (particularmente a bulimia nervosa).
Etiologia da P. Borderline da Personalidade
A compreensão das causas que podem estar na origem da Perturbação Borderline da Personalidade são complexas e permanecem incertas. Alguns fatores, no entanto, podem exercer a sua contribuição.
Ao nível de fatores genéticos, parece que a Perturbação Borderline da Personalidade é 5 vezes mais frequente em indivíduos que apresentam familiares de primeiro grau com a mesma perturbação.
Fatores neurobiológicos parecem evidenciar alterações ao nível das estruturas e circuitos cerebrais, responsáveis pela regulação emocional, incluindo as áreas da amígdala, do hipocampo e das regiões do córtex orbitofrontal – relacionado com as emoções, o comportamento social e a personalidade.
Fatores relacionados com a história individual/familiar parecem também revelar a sua influência, onde alguns indivíduos com Perturbação Borderline da Personalidade revelam uma história infantil marcada por abusos físicos, verbais e sexuais, negligência nos cuidados parentais, conflitos intensos no sistema familiar, ausência de afeto parental e/ou perda parental precoce.
Intervenção Psicológica na P. Borderline da Personalidade
A intervenção clínica ao nível da Perturbação Borderline da Personalidade é semelhante para a grande maioria das diferentes perturbações de personalidade. A psicoterapia revela-se a abordagem mais eficaz, permitindo uma exploração e revisão da história desenvolvimental da pessoa, potenciando a compreensão de padrões de funcionamento pessoal e relacional.
Em algumas situações, a combinação com uma terapêutica farmacológica poderá fazer sentido, sobretudo na estabilização de sintomas comórbidos e/ou perante comportamentos autolesivos.
Através de uma relação psicoterapêutica empática e colaborativa, procura-se também desenvolver estratégias de regulação emocional e do controlo de impulsos, assim como o desenvolvimento de relações interpessoais mais adaptativas. Procurar ajuda psicoterapêutica pode prevenir outras complicações e sofrimento.