A Perturbação Obsessivo-Compulsiva (POC) é uma doença psiquiátrica caracterizada pela presença de obsessões – isto é, pensamentos, impulsos ou imagens mentais recorrentes e desagradáveis - e/ou compulsões - comportamentos repetitivos ou atos mentais que a pessoa se sente na obrigação de realizar em resposta às obsessões.
Estima-se que a prevalência da POC seja aproximadamente de 2% na população mundial, afetando cerca de 1 em cada 40 adultos. Em Portugal, a taxa de prevalência ronda os 4,4%. A Organização Mundial de Saúde (OMS) introduziu a POC na lista das dez condições mais debilitantes em todo o mundo, sublinhando-se assim a importância de abordar a problemática e compreender a sua caracterização clínica.
Diagnóstico da Perturbação Obsessivo-Compulsiva
Para se atribuir um diagnóstico de POC, a Associação Americana de Psiquiatria estabeleceu como critérios de diagnóstico, na 5ª edição do Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais, a presença de duas principais componentes, embora possam ser independentes, mas fortemente associadas (American Psychiatric Association, 2013), a saber:
Presença de obsessões, definidas por:
- Pensamentos, impulsos ou imagens recorrentes e persistentes, experienciados como intrusivos ou indesejados, provocando ansiedade ou mal-estar marcados. O conteúdo das obsessões pode ser distinto, sendo as obsessões mais comuns as que remetem para a contaminação, dúvida-verificação, preocupações somáticas (doenças), ordem/simetria, agressividade/violência, conteúdos sexuais, conteúdos religiosos.
- A pessoa tenta ignorar ou anular tais pensamentos, impulsos ou imagens com algum outro pensamento ou ação, isto é, realizando uma compulsão.
Compulsões, definidas por:
- Comportamentos repetitivos (como por exemplo, lavar as mãos, verificar, ordenar) ou atos mentais (por exemplo, contar, repetir palavras ou frases) que a pessoa se sente na obrigação de realizar em resposta a uma obsessão, como uma espécie de regra que tem de ser executada rigidamente.
- Os comportamentos ou atos mentais têm como objetivo prevenir ou aliviar a ansiedade, ou prevenir situações temidas (por exemplo, se não repetir uma palavra especifica três vezes algo de mal pode acontecer a um familiar); contudo, estes comportamentos ou atos mentais não estão associados de forma realista com o que se pretende prevenir e são claramente excessivos. Ademais, este alívio da ansiedade é temporário, gerando assim uma falsa sensação de alívio e necessidade de repetir as compulsões, perpetuando um ciclo vicioso de manutenção da POC.
Todos nós, a determinado momento da nossa vida, experimentamos pensamentos do tipo obsessivo, como por exemplo, preocupação face a um evento importante futuro. Do mesmo modo, sentimos necessidade de verificar determinadas ações, como conferir se portas ou janelas ficaram bem fechadas, assim como reforçar alguns cuidados, como ao nível das limpezas. Contudo, existe uma diferença clara entre o que representa um comportamento normativo e o que já poderá ser considerado um comportamento patológico; vai para além das meras “cismas”, expressão que vulgarmente utilizamos no nosso dia-a-dia.
Para ser atribuído um diagnóstico de POC, as obsessões e/ou compulsões têm que consumir tempo (levar mais de 1h por dia) e causar mal-estar clinicamente significativo, interferindo na capacidade da pessoa levar a cabo as suas rotinas de vida, prejudicando a esfera pessoal, social e/ou ocupacional. Este critério permite assim distinguir a presença de uma POC de comportamentos repetitivos ocasionais.
Fatores de risco na Perturbação Obsessivo-Compulsiva
Embora as causas exatas sejam desconhecidas, existem determinados fatores associados a um risco aumentado de desenvolver uma POC:
- Fatores temperamentais: tendência para uma personalidade marcada por traços de afetividade negativa, controlo, perfecionismo e inibição comportamental. Desenvolver uma perturbação de tiques ao longo da vida parece, também, aumentar o risco de desenvolvimento de uma POC.
- Fatores ambientais: histórias de vida marcadas por abuso físico e/ou sexual na infância, assim como a existência de outos eventos de vida traumáticos foram associados a um aumento do risco no desenvolvimento de POC. Práticas parentais caracterizadas por uma reduzida expressão emocional e grandes níveis de exigência e moralidade parecem também constituir um fator de risco no desenvolvimento futuro de POC.
- Fatores genéticos e fisiológicos: vários estudos revelam que familiares de primeiro grau de indivíduos com POC apresentam uma maior probabilidade de desenvolver a doença. Ainda, estudos baseados na neuroimagiologia têm revelado diferenças nos circuitos morfológicos cerebrais de indivíduos que apresentam POC, comparativamente com aqueles que não apresentam a perturbação, assim como um desequilíbrio químico ao nível dos neurotransmissores da serotonina e noradrenalina (substâncias químicas libertadas pelos neurónios, com função importante ao nível da regulação do humor).
Constata-se, assim, que a POC é uma perturbação mental bastante heterógena. Tende a manifestar o seu início no período da adolescência, revelando um desenvolvimento gradual da sintomatologia ao longo da vida adulta. Em alguns casos poderá manifestar-se na infância, sendo um fator de mau prognóstico devido à tendência para não reconhecer a irracionalidade dos sintomas. O início precoce tendem a ser mais comum no sexo masculino, ao passo que na idade adulta o sexo feminino é ligeiramente mais afetado. Parece, ainda, que o início da perturbação após os 35 anos é pouco frequentemente.
Especificidades da Perturbação Obsessivo-Compulsiva
Frequentemente, pessoas com POC apresentam crenças disfuncionais, marcadas por um sentido de responsabilidade exagerada e uma tendência para sobrestimar a ameaça. Revelam traços marcados de perfecionismo, necessidade de controlo e uma grande intolerância à incerteza ou dúvida – como tal, é comum a POC ser designada como “a dúvida patológica”. Pessoas que sofrem e POC tendem também a dar uma importância excessiva aos pensamentos que surgem – por exemplo, acreditar que ter um pensamento mau faz de si uma pessoa má.
A POC é uma condição clínica egodistónica, isto é, entra em conflito com o autoconceito da pessoa e o seu sistema de crenças e valores; frequentemente, a pessoa reconhece que o conteúdo das suas obsessões e as compulsões que realiza é bizarro, desagradável e sem sentido. No entanto, geram resistência e dificuldades no seu controlo, o que potencia estados de grande ansiedade e sofrimento emocional.
Algumas pessoas acabam por evitar determinados locais e interações sociais, com medo que as obsessões e compulsões sejam desencadeadas, “prevenindo-se” de experienciar este sofrimento; por exemplo, obsessões relacionadas com a contaminação podem levar a que um individuo evite espaços públicos, ao passo que obsessões com conteúdo violento podem levar uma pessoa a se afastar dos seus familiares e amigos, o que contribui para um estado de isolamento social, pior qualidade vida e o aumento do sofrimento psicológico. Ademais, os próprios familiares percecionam as suas vidas afetadas, frequentemente devido às regras impostas pela pessoa com POC, contribuindo para a disfunção familiar.
Todas estas particularidades potenciam o desenvolvimento de comorbilidades, isto é, o desenvolvimento de outras perturbações psicológicas adicionais e em simultâneo, sendo as mais comuns as perturbações depressivas e de ansiedade (por exemplo, perturbação de pânico, fobia especifica, perturbação de ansiedade social). A existência de comorbilidades representa um fator de pior prognóstico no tratamento da POC.
Embora a POC esteja bem estudada e reconhecida na literatura científica, a verdade é que muitas pessoas demoram em média 10 a 15 anos a serem corretamente diagnosticados e a iniciar tratamento. O estigma ainda associado à doença é um fator que contribui para que esta fique “escondida”, levando a pessoa a não procurar ajuda profissional, o que contribui para um estado de isolamento e a vivência de sentimentos de vergonha e de inadequação pessoal.
Se não existir tratamento adequado para esta perturbação mental, o seu curso tende a ser crónico, com períodos de oscilação entre melhoria e agravamento dos sintomas, assim como mudanças no conteúdo das obsessões.
Tratamento para a Perturbação Obsessivo-Compulsiva
Atualmente, o tratamento mais comum e eficaz para a POC resulta na combinação da terapia farmacológica que atua ao nível da sintomatologia – sendo a classe de medicamentos mais receitados os antidepressivos (particularmente os inibidores seletivos da recaptação da serotonina) e os antipsicóticos – e da psicoterapia – onde vários estudos têm revelado a eficácia da Terapia Cognitivo-Comportamental, particularmente a abordagem da Terapia de Exposição e Prevenção de Resposta.
A psicoterapia tem apresentado uma eficácia na ordem dos 70-80%, sendo o prognóstico mais favorável aquando a realização de um diagnóstico e tratamento precoces. Denota-se, assim, a importância de não só controlar os sintomas, mas também compreender as causas da doença, com base na exploração da história de vida pessoal, assim como o desenvolvimento de estratégias que permitam uma gestão adaptativa da POC.