Autocuidado

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Autocuidado (selfcare) não é egoísmo

Num mundo onde somos constantemente pressionados para a obtenção de sucesso, para cuidar dos outros e para responder a exigências externas, parar para cuidarmos de nós mesmos pode parecer um ato egoísta. No entanto, como sublinham Paixão e Lakshmin o autocuidado verdadeiro é, na realidade, um ato de coragem e responsabilidade pessoal, pois, se nós não estivermos bem, não seremos a nossa melhor versão para as pessoas de quem mais gostamos. Quando viajamos de avião, nas instruções de segurança dizem sempre, para primeiro colocarmos a máscara de oxigénio em nós mesmos e só depois auxiliarmos os outros, será isto egoísmo? Não, não é egoísmo, é sim autocuidado, pois nós não conseguimos cuidar verdadeiramente dos outros se estivermos em exaustão ou emocionalmente esgotados. Egoísmo seria pôr a máscara de oxigénio em nós e ignorar os outros, o autocuidado é garantir que estamos aptos para agir de forma consciente e com presença.

Segundo Helena Paixão, no seu livro O Poder do Autocuidado (2021), o autocuidado é “uma prática diária de respeito por nós próprios, pelos nossos limites, pelo nosso corpo e pelas nossas emoções”. Vai muito além de momentos de lazer, envolve decisões conscientes para preservar o bem-estar físico, mental e emocional. Todos os dias, vivemos atentos à bateria do telemóvel, tendo o máximo de cuidado para nunca ficarmos off, mas no entanto, muitas vezes ignoramos a nossa própria energia. O autocuidado é como carregar o nosso sistema interno, sem ele, acabamos a funcionar no “modo de poupança de energia”, sem capacidade para reagir com calma, tomar boas decisões ou lidar com os desafios. O egoísmo seria roubar o carregador de alguém, o autocuidado é não deixar a nossa bateria chegar a zero.

Já Pooja Lakshmin, psiquiatra e autora do livro Autocuidado de Verdade (2023), alerta para a confusão entre autocuidado e consumismo disfarçado. Lakshmin defende que o verdadeiro autocuidado exige escolhas difíceis e estruturais, como dizer “não”, procurar apoio terapêutico, estabelecer limites ou sair de relações tóxicas, e não apenas rituais de bem-estar superficiais. Imaginem que somos uma planta. Se não formos regados, se não apanharmos luz, se ninguém cuidar de nós, vamos murchar. O autocuidado é essa rega diária: não é um mimo, é manutenção básica da nossa saúde emocional. O egoísmo seria absorver toda a água e luz sem pensar nas outras plantas à volta, o autocuidado é garantir que a nossa raiz está firme para crescer em equilíbrio com o ambiente.

Num contexto terapêutico, reforçamos esta noção com os nossos pacientes: cuidar-se é uma forma de prevenir o burnout, melhorar a autoestima e promover relações mais saudáveis. O autocuidado é um investimento, não é um luxo. Como profissionais de saúde mental em Portugal, urge normalizar o autocuidado como prática necessária e legítima, desmistificando a ideia de que priorizar o bem-estar pessoal é um ato egoísta. Como refere Lakshmin: “O autocuidado de verdade não é algo que compramos. É algo que construímos.” Um carro precisa de revisões, óleo, travões em condições. O autocuidado é essa manutenção emocional e física que nos impede de "avariar a meio de uma viagem". O egoísmo seria bloquear a estrada para mudar os pneus no meio do trânsito sem avisar ninguém, o autocuidado é planear as paragens certas para seguirmos em segurança.

Em suma, autocuidado não é egoísmo: o egoísmo ignora o impacto que as nossas ações têm nos outros; o autocuidado, pelo contrário, reconhece que para estarmos disponíveis e presentes para os outros, temos de começar por estar bem connosco próprios.

Cuida de ti, se não cuidares de ti quem cuidará? Tu tens de vir sempre em primeiro lugar, pois as pessoas que tu mais amas merecem ter-te a 100% e na tua melhor versão!

Clínica de Psicologia