A Anorexia Nervosa é uma perturbação do comportamento alimentar, que pode colocar a vida da pessoa em risco, na medida em que se caracteriza pela recusa em manter um peso corporal minimamente normal ou esperado para a idade, sexo, altura e contexto de vida e saúde da pessoa em causa.
Paradoxalmente, a anorexia nervosa não significa perda do apetite, tal como é sugerido pelo conceito anorexia, mas sim restrição da ingestão de alimentos com o propósito de limitar ao mínimo possível a ingestão de energia, fazendo assim com que seja inevitável a perda de peso. Assim, as pessoas que sofrem de anorexia nervosa sentem fome, mas não se permitem saciar a fome que sentem.
Esta restrição é tão rígida que o índice de massa corporal (IMC) da pessoa está significativamente abaixo do limite considerado magreza saudável e o perigo de comprometimento dos órgãos e suas funções vitais é real, pelo que, se não for alvo de tratamento pode provocar graves danos à saúde ou mesmo a morte da pessoa. Nas mulheres em idade reprodutiva, a Anorexia Nervosa é habitualmente acompanhada de amenorreia, ou seja, falta do período menstrual. A amenorreia surge por defesa do organismo ao não ter os níveis necessários e indispensáveis de gordura que permitem manter uma gestação, pelo que mulheres que sofrem de anorexia vêm habitualmente a sua capacidade reprodutiva comprometida.
Na Anorexia Nervosa, a restrição alimentar é acompanhada de um medo intenso de ganhar peso ou de engordar, o que se mantém mesmo quando o peso corporal é já abaixo do IMC saudável. Isto significa que a pessoa que sofre de anorexia não irá ficar satisfeita com a perda de peso, pois nunca será suficiente; muito pelo contrário, o foco no peso corporal mantém a perturbação e acentua a sua sintomatologia. Até porque outro critério para diagnóstico desta perturbação do comportamento alimentar é, de acordo com a DSM-V é a perturbação ou distorção da apreciação do peso ou forma corporal, juntamente com a desvalorização ou negação da gravidade do seu estado de emagrecimento, sendo que a pessoa sobreavalia o seu valor próprio como dependente da sua forma física (peso e figura corporal). Assim, a sua autoestima e autoconceito giram muito em torno de uma visão distorcida do seu peso e figura corporal, o que também acentua e agrava a sintomatologia desta perturbação. Estas pessoas sentem-se gordas ou podem até saber que estão magras, mas continuarem a achar que determinadas partes do corpo continuam gordas – frequentemente as nádegas, abdómen e pernas.
Por outro lado, as pessoas que sofrem de anorexia nervosa consideram que a perda de peso é sinal de autodisciplina, enquanto que o aumento ponderal é interpretado como uma falha enorme. Por estes motivos, mesmo perante o diagnóstico e aconselhamento de profissionais de saúde, continuam a negar as consequências graves do seu estado de desnutrição.
Subtipos de Anorexia Nervosa
A DSM-V refere a existência de 2 subtipos de Anorexia Nervosa: o restritivo e o compulsivo-purgativo:
- Na Anorexia Nervosa de subtipo restritivo, a pessoa perde peso através da restrição da ingestão calórica, limitando imenso a alimentação e fazendo exercício físico intenso para perder peso. Ou seja, no subtipo restritivo, a pessoa não recorre a purgantes tais como laxantes, medicação ou indução do vómito e também não tem episódios em que ingere compulsivamente os alimentos. Assim, no subtipo restritivo, a pessoa recorre sobretudo a dieta hipocalórica, jejum ou atividade física intensa.
- O subtipo compulsivo-purgativo caracteriza-se por episódios de ingestão compulsiva de alimentos e pelo recorrer ao vómito ou a medicação – laxantes, diuréticos ou enemas.
Como saber se o peso corporal está abaixo do limite saudável?
Objetivamente, a DSM sugere que se possa considerar que a pessoa está abaixo do peso saudável quando tem menos de 85% do peso considerado normal para a idade e altura, ou seja, quando o seu IMC (índice de massa corporal, determinado através da divisão do peso em quilogramas pelo quadrado da altura em metros) é igual ou inferior a 17,5 kg/m2. Contudo, compete ao clínico fazer a avaliação do peso considerando também outros fatores além do IMC, nomeadamente a história de desenvolvimento corporal e ponderal.
Contudo, em termos de gravidade, a DSM V aponta 3 níveis:
- Leve: Quando o IMC é igual ou superior a 17 kg/m2;
- Moderada: quando o IMC está entre 16 e 16,99kg/m2;
- Grave: IMC 15 kg/m2;
- Extrema: IMC inferior a 15 kg/m2
Sintomas e Comportamentos Típicos de Anorexia Nervosa
Há vários comportamentos e atitudes aos quais podemos estar atentos e que indiciam a presença desta perturbação do comportamento alimentar.
Por exemplo, o facto de haver uma perda de peso acentuada durante semanas ou meses, juntamente com o fazer dietas restritivas, quer em termos de quantidade de calorias ingeridas, quer em variedade de alimentos, bem como o pesar-se constantemente, comer às escondidas, evitar ir a festas que envolvam comida, esconder comida para que os outros não percebam que não comeu, comer muito lentamente e/ou desfazer a comida no prato em porções mínimas, falar e interessar-se muito por comida, calorias ou culinária, usar laxativos, diuréticos ou outras medicações e /ou suplementos para perder peso, exercício físico compulsivo e isolamento social, vomitar as refeições, entre outros.
Consequências Físicas e Psicológicas da Anorexia Nervosa
Esta perturbação do comportamento alimentar provoca a médio e longo prazo prejuízo e/ou falência dos órgãos corporais, sobretudo cérebro, coração e rins, e das funções vitais do organismo, podendo mesmo causar a morte.
Assim, a Anorexia Nervosa, ao implicar o medo constante de ganhar peso e ao focar a autoestima na figura corporal, significa que a resposta de stress está persistentemente ativada, já que a alimentação é algo que está presente de forma constante no nosso dia-a-dia. Por outro lado, é sabido que o stress crónico enfraquece a resposta imunitária do organismo, pelo que a pessoa estará frequentemente doente.
Relacionado com o peso significativamente abaixo do recomendado, as pessoas que sofrem de anorexia nervosa sentem muito frio, motivo pelo qual começam a ter Lanugo, já que o desenvolvimento desta penugem é a tentativa do corpo manter o calor necessário ao seu funcionamento, uma vez que não tem a gordura necessária para o efeito. Desta forma, a médio e longo prazo, a pessoa que sofre de anorexia nervosa começa a ter baixa tolerância a temperaturas frias, bem como a sofrer de anemia, icterícia, pele seca, desmaios, tonturas, cabelo e unhas quebradiças, anemia, amenorreia (no caso das mulheres), obstipação, inchaço nas articulações e cáries, arritmias, osteoporose ou mesmo suicídio ou morte por alterações hidroeletrolíticas ou por inanição.
Por outro lado, o aparecimento destas complicações torna cada vez mais visível aos olhares dos outros o problema existente, motivo pelo qual a pessoa começa por se esconder debaixo de roupas largas, para que não notem que continua a perder peso e começam a isolar-se socialmente, o que pode começar por ser um comportamento apenas para evitar comer à frente dos outros, mas rapidamente se mantém pelo facto de a anorexia trazer consigo outras consequências, mais do foro psicológico e emocional, designadamente, a procura constante da perfeição, o desânimo constante, a irritabilidade e labilidade emocional empurram a pessoa para o isolamento, o que aumenta os sentimentos de inadequação e procura de bem-estar através da obtenção da figura corporal desejada. Desta forma, são frequentes comorbilidades com quadros depressivos e distúrbios de ansiedade, com risco de suicídio.
Etiologia e Prevalência da Anorexia Nervosa
A Anorexia Nervosa prevalece nas sociedades industrializadas, sobretudo ocidentais (embora também em algumas culturas orientais) onde a imagem de beleza está mais associada à magreza e onde a pressão para atingir os ideais de beleza acontece mais para as mulheres. Assim, esta perturbação atinge mais mulheres do que homens e tem início habitual na puberdade ou adolescência.
A prevalência a nível internacional situa-se entre os 0,5 e 1%, sendo que em Portugal se estima que ronde os 0,3 a 0,6%, sendo mais de 90% dos casos em mulheres.
Causas da Anorexia Nervosa
A nível de fatores individuais, a Anorexia Nervosa está relacionada com a baixa autoestima, mais concretamente o assumir que o peso e imagem corporal são os fatores em torno dos quais gira o seu valor pessoal. Por outro lado, alguns traços de personalidade são também comuns, tais como o perfeccionismo, o autocriticismo e a hipersensibilidade à avaliação/rejeição interpessoal, entre outros. Isto faz com que a Anorexia Nervosa seja uma tentativa desesperada de assumir controlo na vida, mais do que uma simples preocupação estética, motivo pelo qual os sintomas não cessam mesmo quando a pessoa está extremamente magra.
Verifica-se também um risco acrescido de desenvolver anorexia se for mulher, adolescente, viver numa sociedade em que os ideais de beleza giram em torno da magreza e ter familiares biológicos em primeiro grau que sofram da doença.
Há ainda a destacar causas ambientais para a anorexia nervosa, tais como: acontecimentos de vida marcantes, como por exemplo conflitos familiares, divórcio, abuso físico ou sexual, dificuldades nos relacionamentos íntimos, mudanças de vida, etc.
Como ajudar alguém com Anorexia Nervosa?
Quando uma pessoa que nos é querida sofre de Anorexia, é natural que queiramos ajudar. E também é natural ter dúvidas de como o fazer. Algumas atitudes, apesar de bem-intencionadas, poderão afastar a pessoa e inviabilizar a ajuda pretendida, como por exemplo utilizar sarcasmos ou juízos de valor sobre o comportamento alimentar, atitudes que revelam alguns mitos e desconhecimento sobre o que significa esta doença.
Assim, ficam algumas sugestões de como lidar com alguém que sofre de anorexia nervosa:
- em primeiro lugar, lembre-se que a forma como vê a pessoa não é a forma como a pessoa se vê a si mesma, por isso não adianta dizer-lhe que está demasiado magra;
- ouça com empatia, isto é ofereça o seu ombro e os seus ouvidos, dê atenção e permita que a pessoa fale consigo num ambiente com privacidade e sem julgamentos;
- pergunte à pessoa como pode ajudá-la;
- ofereça-se para procurar ajuda com a pessoa ou mesmo acompanhá-la aos tratamentos;
- caso a pessoa lhe seja muito próxima, procure também falar com um psicólogo/a;
- informe-se bem sobre esta perturbação, para não cair em julgamentos desnecessários e que dificultam a adesão da pessoa à ajuda oferecida.;
- quando não souber responder a algo, diga isso mesmo: não sei responder a isso. E pode disponibilizar-se para ajudar a procurar as respostas;
- esteja disponível e agradeça a confiança que a pessoa depositou em si: lembre-se que não é fácil falar sobre as nossas vulnerabilidades com os outros; fazê-lo é um ato de entrega que implica muita coragem e confiança.
Tratamento da Anorexia Nervosa
Quanto mais precocemente forem detetados os sintomas da anorexia nervosa, melhor será o prognóstico, caso a pessoa procure o tratamento. Por outro lado, a recusa da procura de tratamento que acontece pela desvalorização do estado de gravidade da sua saúde, pode fazer com que seja necessário o internamento hospitalar, para evitar a morte da pessoa.
O tratamento da Anorexia Nervosa deverá ser multidisciplinar, abrangendo sempre médicos, nutricionistas e profissionais de saúde mental, da área da psiquiatria e psicologia.
Em termos de psicoterapia, será útil uma abordagem individual, focada no trabalho da autoestima e da abdicação de estratégias de controlo, pelo que abordagens cognitivo-comportamentais de terceira geração, focadas em mindfulness, aceitação, compromisso e compaixão são altamente recomendadas, a par de terapia de grupo e terapia familiar.